No dia 9 de janeiro de 2025, o prefeito de Penha, Luizinho Américo, decretou oficialmente Estado de Calamidade Pública Financeira no município. A medida foi respaldada por um cenário de desequilíbrio fiscal severo: restos a pagar sem cobertura superiores a R$ 9 milhões, dívidas com precatórios acima de R$ 1,4 milhão e dificuldades para honrar a folha salarial, encargos sociais e contratos de prestação de serviços básicos como saúde, educação e limpeza pública.
O decreto impôs um conjunto de ações restritivas. Entre elas, o contingenciamento de até 30% das despesas discricionárias, a suspensão de pagamentos de horas extras (salvo casos emergenciais) e a revisão de contratos, gratificações e aluguéis de imóveis públicos. Além disso, foi criada uma comissão especial para apurar possíveis responsabilidades administrativas e políticas que tenham contribuído para o quadro de calamidade.
Nesse contexto, seria razoável esperar do Legislativo municipal uma postura compatível com a gravidade da situação. No entanto, os dados disponíveis no Portal da Transparência da Câmara de Vereadores de Penha revelam um comportamento oposto. Apenas nos quatro primeiros meses de 2025, o Legislativo já desembolsou R$ 63.295,00 com diárias destinadas a vereadores — recurso utilizado para custear deslocamentos a eventos e reuniões externas, geralmente em capitais como Brasília, Florianópolis e Curitiba.
Entre os parlamentares que mais utilizaram o benefício estão o presidente da Câmara, Luciano de Jesus da Silva (R$ 10.115), Luiz Fernando Vailatti (R$ 9.245), Emanoelly Roberta Rodrigues Silva (R$ 7.445) e Maurício Olivio Brockveld (R$ 7.290). Os dados indicam um padrão de viagens frequentes, realizadas inclusive no período imediatamente posterior à declaração de calamidade. Confira gastos individuais abaixo:

A esses números somam-se os pagamentos de passagens aéreas, que já superam R$ 12,5 mil em 2025. A Câmara tem uma licitação de compra de até 150 passagens nacionais, com valor estimado de R$ 300 mil. Ou seja, ainda que os impactos da crise fiscal tenham sido amplamente reconhecidos pelo Executivo e utilizados como justificativa para contenção de gastos em todas as áreas da administração, o Legislativo segue operando sob outra lógica.
Essa conduta ganha contornos ainda mais preocupantes à luz do Projeto de Resolução nº 7/2025, protocolado pela Mesa Diretora da Câmara. A proposta prevê reajustes significativos nos valores das diárias, que passariam a variar entre R$ 600 e R$ 1.345 por dia, dependendo do destino. Em caso de viagens internacionais, os valores seriam automaticamente majorados em 100%, ultrapassando os R$ 2.600 diários. Além disso, o projeto autoriza reajustes anuais com base no INPC e, ao término de cada legislatura, permite aumentos reais mediante aprovação por maioria simples.
Os autores da proposta argumentam que o texto “moderniza” a legislação atual, traz maior clareza aos prazos e reforça os mecanismos de controle. Contudo, a proposta também institucionaliza benefícios mais amplos e onerosos em um momento em que o município enfrenta dificuldades para sustentar serviços essenciais. A simples intenção de ampliar esses benefícios, ainda que dentro dos limites legais, parece destoar da realidade financeira já formalmente reconhecida pelo próprio Poder Público.
É importante lembrar que cada vereador em Penha recebe atualmente R$ 9.371,46 de subsídio mensal. Em comparação, o salário mínimo vigente no país é de R$ 1.518. Essa disparidade por si só exige dos parlamentares um compromisso proporcional com o uso responsável dos recursos públicos — compromisso que não se verifica à luz dos dados e propostas atuais.
Diante do cenário exposto, impõe-se um debate público qualificado sobre os critérios de utilização de recursos por parte dos agentes políticos. Embora a atuação parlamentar demande mobilidade e interlocução com diferentes esferas da federação, o momento requer contenção, transparência ativa e sinalização clara de alinhamento com o esforço coletivo imposto à administração e, principalmente, à população.
O que os números revelam não é ilegalidade, mas sim um desalinhamento ético e institucional com a urgência financeira que afeta toda a estrutura do município. A Câmara Municipal de Penha, ao insistir na ampliação de benefícios e manter elevado volume de gastos com diárias e passagens, reforça uma dissonância política que fragiliza a confiança da população em seus representantes.